Conto
Por Rogério Ribeiro
Conta a história, que a tal, a mulherzinha de vida fácil, andava
aterrorizada, como o resto da cidade, à espera do ataque do exercito inimigo.
Seu nome? Bom... Não
lhe permitiriam facilmente a dignidade ou mesmo, um bom nome... Quase nada... Naquele tempo ou, quase certo hoje, também
não.
Porem, seu nome, com honras e tudo o que me permite sua breve
história, lhe permito logo de entrada: Raabe.
Então, a gentil prostituta Raabe, depois de alguns clientes, mesmo
na difícil pré-guerra, voltava a sua casa com as dores que nenhum dos que a
usavam, ou a grande soma dos que a condenavam, seria capaz de suportar...
Voltava para se lavar do que não sairia tão fácil de seu
semblante... Mesmo que saísse, o povo, família e vizinhos a lembrariam...
Escreveriam se não dessem ouvidos, que, ela, a
moradora da casa no alto muro, a mulherzinha que não tinha os pés em casa, era
a mulher da vida fácil. Continuando simplesmente e sem descanso, a não lhe
permitirem nada... Nada.
O nada era a sua condição; Ele mesmo a havia enxertado de
mais nada, em volta de seus sentimentos, por dentro e por fora. O nada, espaçoso, fizera nada mais do que
costumava fazer até então: Corroía-a toda, para que tivesse mais espaço para...
O nada.
Do lado de fora, entretanto, distantes, esperavam os que ela
guardava no fundo de seu peito... Lá, no lugarzinho em que escondidos, ficariam
protegidos das línguas que insistiam em leva-la ao nada e de sua terrível
culpa; lá, ela os protegia.
Sua família, além dos que amavam, estava lá. Todos a quem amava,
também.
E repetiam: “Esta, não ama!” Diziam todos... ou quase.
Não diziam mais os homens – não em sua fronte - porque estes
esperavam e queriam seus favores; Era um favor... O dinheiro, ao fim da labuta
era a gorjeta de feições tristes.
Tal como todas, até e depois de Gení, ela seria usada e revirada
a vida toda; de todas as formas e maneiras.
Choca-lhe, dizer que além de ter a dignidade arrancada pelos
que, além das roupas, limpavam-lhe o orgulho, ela, a “não amada”, ainda era
ameaçada?
Creio que não... Isso não nos choca! Nem em eras remotas...
Em choque, entretanto, conta-nos a história, que ela, por
ainda chocar-se, recebeu uns soldados do exercito inimigo que naquela noite invadiram
sua cidade.
Enviados a saber das “brechas” e pontos fracos da mesma,
souberam também, de seu ponto mais fraco; seu coração.
Ironia. Perseguidos por toda a cidade, esconderam-se, logo na
casa que não era a residência privada de ninguém... Conhecida também como: A
casa do nada...
Ninguém deixava que fosse. Era a casa da tal mulher de vida fácil. “Dificultemos-lhe a vida!”
Ninguém deixava que fosse. Era a casa da tal mulher de vida fácil. “Dificultemos-lhe a vida!”
“Todo o povo teme seu exercito... Nas leis injustas e no
descaso da minha terra, quisera eu, fossem tuas, as ordens... Chegou antes de
todo o medo, a boa fama que conservam... Bem distante desta. Por isso, deixe-me
viva quando a invadirem. Sairão em paz, daqui....”
Os homens que pararam para ouvi-la, por dever a ela a vida,
deram sua palavra:
“Quando invadirmos e tomarmos a cidade, serás poupada”.
Deu a ela um cordão vermelho e com ele um acordo:
“...Prenda-o na janela, à vista... Saberemos e nos lembraremos
de nosso acordo. Tu e todos que ama, serão poupados.”
O cordão foi colocado à vista, o acordo lembrado... Ela e sua
família, poupados.
No terrível massacre, jovens, muitos... mulheres e todos os
homens foram mortos. A cidade, tomada.
Preservada por um povo que não a admitiria jamais, ela foi
amparada, fazendo descendência à sua família...
Ironicamente, na noite fria do acampamento, estava ela
guardada e livre de toda a lembrança anterior ao dia em que, um acordo foi
feito e, um cordão dependurado...
Antes, na nebulosa memória de dias de desgraça, algo ainda
era o mesmo de quando despedaçado; fortalecido, agora vivia... Descansado.
Não fora o acordo, nem mesmo o cordão; o que a tirara da
guerra...
Fora o seu e, somente seu, o mesmo de antes, humilhado coração.
Rogério Ribeiro.